O metano, um composto químico constituído por carbono e hidrogênio, é conhecido por seu papel como gás de efeito estufa na manutenção da temperatura necessária para sustentar a vida na Terra primitiva.
Entretanto, um estudo recente veiculado na prestigiada revista Nature sugere que sua formação pode ter sido mais ampla e facilitada do que se imaginava anteriormente.
Os resultados da pesquisa conduzida por Leonard Ernst, microbiologista do renomado Instituto Max Planck de Microbiologia Terrestre, juntamente com sua equipe, revelaram que o metano pode ser gerado de forma muito mais simples do que se supunha, através de um conjunto de reações químicas induzidas pela luz solar em meio aquoso.
Essas descobertas têm importantes implicações, indicando que tais reações podem ser comuns em planetas rochosos iluminados pelo sol, inclusive em mundos situados nas regiões periféricas das zonas habitáveis ao redor de suas estrelas.
Uma estufa na Terra primitiva
Acredita-se que a vida tenha surgido na Terra aproximadamente há 3,7 bilhões de anos, durante o denominado Período Arqueano.
"Nesse cenário, os primeiros micróbios habitavam um ambiente rochoso, iluminado por um Sol ainda jovem e menos intenso, que produzia somente cerca de três quartos da energia atualmente emitida.
A Terra deveria, teoricamente, ter sido um local significativamente mais frio, possivelmente até mesmo congelado. No entanto, evidências químicas encontradas nas rochas mais antigas do nosso planeta indicam que o clima da Terra Arcaica era, ao menos, tão quente quanto o de hoje.
Essa aparente contradição é conhecida como “Paradoxo do Sol Jovem e Fraco”, e uma explicação plausível para esse fenômeno envolve a presença de metano, uma substância química de relevante importância.
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O metano é um gás de efeito estufa, semelhante ao dióxido de carbono, sendo capaz de reter calor na atmosfera terrestre e, consequentemente, aquecer a superfície do planeta.
A hipótese sugere que, nos primórdios da Terra, se houvesse quantidade suficiente de metano em sua atmosfera, a temperatura poderia ter sido elevada o bastante para permitir a existência de água líquida e, por conseguinte, o desenvolvimento da vida, apesar da reduzida intensidade solar.
Na atualidade, o metano é um subproduto biológico, porém, há cerca de quatro bilhões de anos, não existiam organismos, como bactérias ou animais ruminantes, capazes de liberar metano para a atmosfera.
Nesse contexto, os geólogos postulam que o metano pode ter sido produzido durante um processo denominado “serpentinização”, ocorrido quando minerais presentes nas profundezas da crosta terrestre entravam em contato com água do mar, especialmente em fontes hidrotermais encontradas em áreas oceânicas profundas.
Essas reações químicas requerem elevadas temperaturas e pressões, o que restringiria a ocorrência desse fenômeno em determinados locais.
Entretanto, surge o dilema de que as fontes hidrotermais provavelmente não conseguiriam liberar quantidade suficiente de metano para manter o planeta suficientemente aquecido e viabilizar um ambiente propício à vida.
Recentemente, Ernst e seus colaboradores descobriram uma outra via pela qual o metano poderia ter se formado na Terra primitiva: um conjunto de reações químicas catalisadas pelo calor ou pela luz solar, possivelmente ocorrendo em variadas regiões do planeta.
“Essas reações podem ter moldado a evolução química da atmosfera antes do surgimento da vida“, escrevem Ernst e seus colegas em seu artigo recente.
Ampliando a busca por mundos habitáveis
Ernst e seus colaboradores direcionaram suas pesquisas para a Terra primitiva; entretanto, suas descobertas podem oferecer novas perspectivas quanto à busca por vida ou, ao menos, condições propícias à vida em outros planetas.
Essas reações químicas possivelmente desempenham um papel crucial na distinção entre um planeta habitável e um planeta com temperaturas excessivamente baixas.
É provável que gases adicionais de efeito estufa não sejam capazes de reter calor suficiente para transformar um planeta extremamente frio, localizado nos confins de um sistema estelar, em um ambiente semelhante à Terra.
Contudo, para os planetas que se encontram na região exterior da chamada “zona habitável,” a qual corresponde à área ao redor de uma estrela onde a temperatura é ideal para a presença de água líquida em sua superfície, a presença de um manto contendo metano e etano pode representar um fator determinante.
Esse conjunto de substâncias poderia desequilibrar o balanço térmico e tornar esses mundos mais propensos a sustentar formas de vida.
“Sem dúvida, isso poderia contribuir para mundos bastante frios, tornando-os um pouco quentes”, disse Ernst à Inverse.
“Isso pode ser a diferença entre um mundo habitável e um não habitável, apenas por ter esses compostos de enxofre que [reagem para produzir] metano e etano.” No entanto, ele acrescenta, isso é “muito especulativo, é claro”.
Concomitantemente, a pronta formação de metano em reações ativadas pela luz solar apresenta-se como mais um motivo para os astrobiólogos adotarem uma abordagem cautelosa na interpretação do metano encontrado em outros corpos celestes como possível evidência de vida.

Uma nova receita para o metano.
Conforme postulado por Ernst e seus colaboradores, o processo em questão se inicia com átomos de ferro carregados positivamente, em conjunto com compostos químicos que contêm enxofre, carbono e hidrogênio.
Sugere-se que esses compostos enxofrados teriam se originado em fontes hidrotermais ou sido transportados ao jovem planeta mediante a queda de meteoritos.
Por sua vez, o ferro teria sido abundante nos primitivos oceanos, caracterizados por baixos níveis de oxigênio.
A incidência de luz solar e calor provoca a reação entre o ferro carregado positivamente e o peróxido de hidrogênio, substância prontamente disponível na Terra arcaica.
Essas reações, por sua vez, liberam partículas que induzem outras reações nos compostos enxofrados presentes nas proximidades.
Como resultado, o carbono e hidrogênio contidos nos compostos enxofrados e no peróxido de hidrogênio são convertidos em metano e etano.
Esses processos reativos possivelmente ocorreram em escala planetária – não apenas em fontes hidrotermais em regiões oceânicas profundas, mas também em ambientes aquáticos como oceanos, rios, lagos e lagoas na Terra primordial.
Da mesma forma, é plausível que tais eventos possam ocorrer em planetas similares à Terra.
“Isso é tão básico que eu diria que ocorre provavelmente em todos os planetas rochosos que podem ter um pouco de água e esses compostos de enxofre metilado”, diz Ernst.