Em um contexto global em que há crescente preocupação com as implicações ambientais e geopolíticas do uso de combustíveis fósseis, a energia nuclear tem ressurgido como um tópico de considerável interesse.
Sua notável capacidade de gerar eletricidade em larga escala, sem a emissão de gases de efeito estufa, tem sido encarada como uma promissora fonte sustentável de energia limpa, com potencial para viabilizar a transição da sociedade em direção a um futuro caracterizado por emissões líquidas nulas de carbono.
No entanto, é importante ressaltar que a geração de energia nuclear acarreta a produção de resíduos radioativos, constituindo-se em um desafio crítico cuja abordagem se mostra indispensável para a conquista da confiança pública em relação a essa solução transformadora de energia.
Atualmente, uma equipe de pesquisadores afiliados à Universidade de Houston tem apresentado uma solução inovadora para a gestão de resíduos nucleares, por meio do desenvolvimento de cristais moleculares com base em ciclotetrabenzil hidrazonas.
Esses cristais, resultantes de uma descoberta pioneira realizada pela equipe em 2015, demonstram notável habilidade em capturar o iodo, um dos mais frequentes produtos de fissão radioativa, tanto em soluções aquosas quanto orgânicas, bem como na interface entre ambas as fases.
"“Este último ponto é particularmente relevante, pois a captura de iodo nas interfaces poderia evitar que o iodo alcançasse e danificasse os revestimentos de tinta especializados usados em reatores nucleares e recipientes de contenção de resíduos”, afirmou Ognjen Miljanic, professor de química e autor correspondente do artigo que detalha a descoberta na revista Cell Reports Physical Science.
Estes cristais demonstram uma notável capacidade de absorção de iodo, rivalizando com as estruturas metálicas porosas (MOFs) e as estruturas orgânicas covalentes (COFs), anteriormente consideradas o auge dos materiais de captura de iodo.
Alexandra Robles, a primeira autora deste estudo e ex-aluna de doutorado que fundamentou sua dissertação nesta pesquisa, conduziu suas investigações com os cristais no laboratório de Miljanic, onde fez a descoberta.
Seu interesse em encontrar uma solução para os resíduos nucleares impulsionou Robles a explorar o uso desses cristais para a captura de iodo.
“Ela acabou capturando o iodo na interface entre as camadas orgânica e aquosa, um fenômeno pouco estudado,” afirmou Miljanic, acrescentando que essa característica excepcional oferece uma vantagem crucial. “Quando o material é depositado entre as camadas orgânica e aquosa, ele essencialmente interrompe a transferência de iodo de uma camada para outra.”
Esse processo não apenas preserva a integridade dos revestimentos dos reatores e aprimora a contenção, mas também possibilita o deslocamento do iodo capturado de uma região para outra. “A ideia aqui é capturá-lo em uma localidade de difícil gerenciamento e, em seguida, liberá-lo em uma região de fácil gerenciamento,” afirmou Miljanic.
Outra vantagem dessa tecnologia de captura e liberação é a reutilização dos cristais. “Se o poluente simplesmente adere ao reagente, todo o material deve ser descartado,” explicou ele. “Isso aumenta o desperdício e as perdas econômicas.”
É claro que todas essas significativas potencialidades ainda necessitam de testes em aplicações práticas, o que leva Miljanic a considerar os próximos passos.
Moléculas, Cristais e Polvos
A equipe de Miljanic está envolvida na síntese de moléculas orgânicas minúsculas contendo somente átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio, utilizando produtos químicos prontamente disponíveis no mercado.
Cada cristal apresenta uma estrutura anelar com oito peças lineares irradiando a partir dele, característica que levou a equipe de pesquisa a apelidar o composto de “O Polvo”.
“Esses cristais são relativamente simples de serem produzidos e podem ser fabricados em larga escala a partir de materiais com custo relativamente baixo, sem a necessidade de uma atmosfera de proteção especial”, declarou Miljanic.
O custo atual de produção desses cristais, em um laboratório acadêmico, é estimado em cerca de US$ 1 por grama. Em um ambiente industrial, acredita-se que esse custo seria significativamente reduzido.
Esses pequenos cristais mostram-se altamente versáteis e são capazes de capturar substâncias além do iodo. Miljanic e sua equipe já utilizaram esses cristais para capturar dióxido de carbono, representando um passo importante em direção a um mundo mais limpo e sustentável.
Adicionalmente, as moléculas do “Polvo” estão estreitamente relacionadas com aquelas encontradas em materiais utilizados na fabricação de baterias de íon-lítio, o que abre novas possibilidades energéticas.
“Essa classe de moléculas simples possui uma notável capacidade de desempenhar diversas funções, dependendo de como a integramos com o restante de um dado sistema”, explicou Miljanic. “Consequentemente, estamos empenhados em explorar todas essas aplicações.”
O entusiasmo de Miljanic é evidente diante da multiplicidade de potenciais oferecida pelos cristais, e ele anseia por explorar aplicações práticas. Seu próximo objetivo é encontrar um parceiro que colabore com os cientistas na exploração de diferentes aspectos comerciais.
Enquanto isso, os pesquisadores planejam aprofundar a exploração das cinéticas e comportamentos das estruturas cristalinas, visando aprimorar ainda mais suas características.