No sítio arqueológico de Houtaomuga, no nordeste da China, arqueólogos desenterraram 25 esqueletos humanos com crânios alongados, datados de cerca de 12.000 anos atrás.
O peculiar formato dos crânios representa uma faceta ritualística na civilização antiga da China. Essa constatação proporciona evidências suplementares de que as modificações cranianas eram prevalentes na antiga Ásia Oriental, constituindo uma prática disseminada globalmente durante os períodos pré-históricos.
Consoante um estudo veiculado no American Journal of Physical Anthropology em 2019, uma equipe de pesquisadores liderada pelo bioarqueólogo Quanchao Zhang e pelo paleoantropólogo Qian Wang identificou 25 esqueletos no sítio arqueológico denominado Houtaomuga.
Os vestígios mortais foram datados de um intervalo aproximado entre 12.000 e 5.000 anos atrás. Dentro desse conjunto, 11 apresentavam crânios que evidenciavam intencional alongamento, caracterizado pela compressão óssea nas regiões frontal e posterior da cabeça.
Os investigadores, pertencentes à Universidade de Jilin, na China, e à Universidade A&M do Texas, responsáveis pelas escavações, demonstraram surpresa diante da incidência abundante de “anomalias”, sugerindo que muitas delas exibiam uma conformação semelhante a “ovos”.
"“Esta é a descoberta mais antiga de sinais de modificação intencional da cabeça no continente eurasiático, talvez no mundo. Se essa prática começou no leste da Ásia, provavelmente se espalhou para o oeste, para o Oriente Médio, Rússia e Europa através das estepes, bem como para o leste, através da ponte terrestre de Bering, para as Américas”, disse o co-pesquisador do estudo, Qian Wang, professor associado do Departamento de Ciências Biomédicas da Faculdade de Odontologia da Universidade A&M do Texas.
A civilização chinesa se destaca como uma das mais antigas e continuamente existentes do mundo. Embora sua história documentada remonte ao século V a.C., com o advento da dinastia Zhou, evidências arqueológicas indicam uma origem ainda mais remota. Os registros iniciais documentados referem-se a figuras semi-míticas denominadas “Imperador Amarelo” e seus conselheiros bestiais, conhecidos como “Velhos Tolos”.
Na contemporaneidade, os crânios chineses em formato de ovo são reconhecidos como os mais antigos do globo. Além disso, observou-se que a prática de modificar intencionalmente as cabeças já estava estabelecida muito antes da Revolução Neolítica (Primeira Revolução Agrícola), com a crença de que essa tradição teve início aproximadamente há 9.000 anos.
Segundo informações veiculadas pela revista Archaeology, os crânios descobertos exibiam alterações deliberadas nas cavidades cranianas, com alongamento artificial das caixas cerebrais e achatamento dos ossos na região frontal e posterior da cabeça.
Os pesquisadores identificaram três categorias distintas de deformações cranianas em onze desses crânios. Dentre os 11, cinco pertenciam a indivíduos adultos, sendo um do sexo feminino e os demais do sexo masculino. Os crânios restantes correspondiam a crianças, com idades variando entre 3 e 40 anos.
Até o momento, os cientistas não conseguiram determinar as razões que levavam as pessoas, em eras remotas, a submeterem-se conscientemente à modificação de seus crânios, tampouco o ponto de origem dessa prática.
As cabeças das crianças eram fixadas em dispositivos especiais, como tornos ou dispositivos de duas tábuas. Nesse processo, não apenas os ossos do crânio eram submetidos a alongamento, mas também ocorria deformação da estrutura interna, resultando em uma espessura significativamente reduzida dos ossos cranianos.
Os arqueólogos postulam que indivíduos com crânios deformados eram instruídos para desempenhar funções sociais de destaque, como, por exemplo, assumir o papel de sacerdotes em cultos específicos.
A crença subjacente era de que crânios alongados confeririam habilidades singulares, facilitando a comunicação com entidades superiores. Presumivelmente, a prática de elongar os crânios era percebida como um meio de adquirir um status social proeminente dentro da sociedade.
Ao longo de séculos, nossos antepassados empregaram diversas técnicas, envolvendo madeira, tecidos e cordas, para modelar a própria cabeça e a de seus descendentes, em busca de aprimoramento estético. A persistência desse desejo por modificações corporais remonta a milênios e continua a ser praticada, especialmente na África.
A motivação subjacente a essa prática permanece incerta, constituindo um enigma que intriga os cientistas, que apenas podem conjecturar que motivações convincentes levaram nossos antepassados a suportar tal procedimento, mesmo diante da dor associada.
Embora o Homem de Houtaomuga represente o exemplo mais antigo documentado de remodelação intencional do crânio na história, permanece um mistério se outros casos conhecidos de tal prática surgiram a partir desse grupo específico ou se se manifestaram de forma independente, conforme afirmou Wang.
Crânios com formas peculiares e modificações intencionais têm sido identificados em diversas localidades ao redor do mundo. Embora nas décadas de 1980 tenham surgido alegações indicando que dois crânios de Neandertal, com uma estimativa de idade em torno de 45.000 anos, teriam passado por remodelação durante a infância, diversas análises acadêmicas posteriores refutaram essas assertivas.
Os crânios mais antigos que apresentam evidências amplamente reconhecidas de modificações cranianas remontam a um intervalo temporal aproximado entre 13.000 e 10.000 anos atrás, localizando-se nas regiões ocidentais da Ásia, no sudeste da Austrália e, de forma mais recente, no leste da Ásia. Em contrapartida, constatou-se que essa prática teve início há mais de 8.000 anos nas Américas.
Apesar da concepção popular de que o crânio alongado, datado aproximadamente em 12.000 anos, teria sido intencionalmente sujeito a modificações, alguns especialistas discordam dessa interpretação. Embora o crânio apresente certo grau de alongamento, este não é suficientemente significativo para sugerir uma deformação intencional. De fato, as evidências apenas respaldam a ocorrência de modificações forçadas nos crânios que remontam a 6.000 anos atrás.
O caso peculiar dos “crânios de Paracas” representa outra instância de crânios alongados, porém se distingue dos demais casos de modificação craniana. A dimensão dos crânios de Paracas é notavelmente maior, apresentando um aumento de 25% a 60% em peso quando comparados aos crânios humanos convencionais, sugerindo que não foram artificialmente alterados por meio de achatamento craniano.
Além disso, esses crânios exibem uma placa parietal única em vez de duas. Devido à ausência de qualquer evidência de deformação craniana, o fenômeno do alongamento desses crânios permanece inexplicável e suscita questionamentos ao longo dos anos.
A importância da descoberta em Houtaomuga mantém-se digna de nota, independentemente da controvérsia em curso. Essa revelação enfatiza a existência de alterações intencionais nos crânios durante o período neolítico na região. Ademais, tais descobertas proporcionam insights valiosos acerca da cultura e das convicções da comunidade durante a última fase da Idade da Pedra.