Conforme a humanidade se expande pelo sistema solar, é possível que surjam diferentes sotaques em colônias isoladas. Qual é a razão por trás desse fenômeno e como esses novos sotaques se manifestam?
Em um futuro próximo, a humanidade iniciará a colonização do sistema solar, não se limitando a visitas passageiras. O propósito fundamental da exploração espacial, além da busca por vida extraterrestre, é estabelecer colônias humanas em outros planetas para aprofundar nosso entendimento do cosmos e buscar recursos que possam impulsionar nossa prosperidade na Terra.
É provável que as primeiras colônias espaciais humanas enraízem na Lua nas próximas décadas. Contudo, o objetivo de longo prazo é estabelecer uma colônia em Marte, tornando-se mais realista após a consolidação de uma presença permanente na Lua.
A perspectiva de comunidades humanas residindo além do nosso planeta levanta diversas questões desafiadoras para os especialistas, como a produção de alimentos, o acesso à água e a adaptação à vida em ambientes de menor gravidade por parte dos futuros colonos.
No entanto, uma questão há muito negligenciada emerge: Como serão os sotaques dos futuros colonos espaciais? Especificamente, que tipo de entonação poderão desenvolver?
"A pesquisa sobre os sotaques humanos é intrinsecamente fascinante. Cada indivíduo possui algum tipo de sotaque, muitas vezes inconsciente, e essas nuances podem estar associadas a períodos, lugares, línguas ou grupos específicos aqui na Terra. Contudo, com a perspectiva de colônias espaciais no horizonte, a maneira como os futuros colonos interplanetários pronunciarão suas palavras torna-se um território desconhecido.
“Os novos sotaques surgem por imitação”, disse Jonathan Harrington, diretor do Instituto de Fonética e Processamento da Fala da Universidade Ludwig-Maximilians de Munique, na Alemanha, ao portal Live Science. “Lembramo-nos dos sons e das palavras de uma conversa, e estes podem ter uma pequena influência na nossa futura forma de falar.”
Essas alterações são inconscientes e surgem apenas quando interagimos com pessoas de sotaques distintos por longos períodos, explicou Harrington. É por isso que indivíduos que residem em um novo país ou região por um tempo considerável desenvolvem modificações sutis em seus sotaques sem perceber.
Harrington observou que quando pessoas com diferentes sotaques ficam isoladas do restante do mundo, o grupo começa a se imitar mutuamente, originando uma nova amalgama de sotaques disponíveis. Esse fenômeno pode se desencadear rapidamente, especialmente em pequenos grupos.
Em 2019, Harrington liderou um estudo que investigou as mudanças fonéticas de 11 pesquisadores que passaram um inverno isolados em um laboratório na Antártica. O grupo incluía oito pessoas da Inglaterra (cinco com sotaque do Sul e três com sotaque do Norte), uma do Noroeste dos EUA, uma da Alemanha e uma da Islândia. Ao longo da experiência, os pesquisadores notaram alterações fonéticas em cada indivíduo, e o grupo como um todo começou a pronunciar sons de maneira distinta, utilizando diferentes partes da boca para produzir esses sons. Esse foi o início do desenvolvimento de um novo sotaque.
“Deveria acontecer exatamente a mesma coisa em qualquer ambiente em que os indivíduos estejam isolados durante um período prolongado, quer seja na Antárctida ou no espaço”, disse Harrington. “De facto, a mudança de sotaque deve ser ainda maior no espaço, porque o contacto com a comunidade de origem é ainda mais difícil.”
Em Marte ou na Lua, os colonos podem desenvolver alterações subconscientes, mas perceptíveis, em seus sotaques em questão de meses – especialmente em Marte, onde a comunicação com a Terra é ainda mais desafiadora devido ao atraso de aproximadamente 20 minutos nas mensagens entre os dois planetas, observou Harrington.
No entanto, para que sotaques distintos e de longa duração surjam, é provável que a colônia precise ter um tamanho suficiente para permitir a reprodução dos colonos, possibilitando assim a transmissão do sotaque às gerações futuras.
Se novos membros fossem incorporados às fases iniciais de habitação de uma colônia, poderiam influenciar a trajetória do sotaque desse grupo. Contudo, uma vez que um sotaque estivesse plenamente estabelecido, os recém-chegados provavelmente teriam um impacto mais limitado na evolução desse sotaque, gradualmente adaptando o seu próprio modo de falar para se alinhar ao padrão predominante da colônia.
Harrington destacou que qualquer novo sotaque emergente em colônias espaciais seria provavelmente moldado pelo sotaque mais prevalente do grupo. Ele citou o exemplo do sotaque australiano, que compartilha muitas semelhanças com o “Cockney” de Londres, devido ao fato de que a maioria dos colonos originais possuía esse sotaque.
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Se os sotaques iniciais se distribuírem de maneira uniforme, os novos sotaques resultantes seriam uma amalgama de todos eles, em vez de assemelhar-se a um sotaque específico. Consequentemente, a probabilidade de desenvolvimento de sotaques distintos em futuras colônias em Marte e na Lua é alta, a menos que essas colônias sejam compostas por grupos com uma distribuição idêntica de sotaques, destacou Harrington. Ele acrescentou que os diversos fatores ambientais na Lua e em Marte provavelmente não terão um impacto significativo em nenhum dos sotaques.
Sem conhecer os sotaques dos astronautas que comporão as futuras colônias marcianas e lunares, é desafiador antecipar como esses sotaques podem se manifestar. No entanto, após a seleção dos colonos, poderá ser possível prever a evolução dos sotaques.
Durante o estudo na Antártica em 2019, a equipe utilizou um programa de aprendizagem por computador para projetar as possíveis mudanças nos sotaques dos participantes ao longo do estudo. Surpreendentemente, as alterações vocais observadas pela equipe correspondiam de forma bastante precisa às previsões do programa.
Via: LiveScience