Os adornos pessoais têm há muito tempo ligado os seres humanos às suas tribos. Joias e outros objetos de valor refletem a identidade de um clã, tanto em vida quanto na morte. No entanto, esses laços culturais não necessariamente seguem vínculos familiares.
Um recente estudo que examinou milhares de pingentes provenientes de toda a Europa durante a era glacial, abrangendo o período entre 34.000 e 24.000 anos atrás, indica a existência de pelo menos nove grupos culturais distintos entre os caçadores-coletores pertencentes à ampla população conhecida como gravetianos. Cada um desses grupos apresentava estilos de ornamentos relativamente únicos.
Ao realizar análises mais aprofundadas dos dados genéticos provenientes de locais de sepultamento, descobriu-se que algumas dessas categorias compartilhavam os mesmos ornamentos culturais, apesar de terem ancestrais diferentes.
“Mostramos que é possível ter dois grupos genéticos [distintos] de pessoas que, na verdade, compartilham uma cultura”, disse Jack Baker, principal autor do estudo e estudante de doutorado em arqueologia da Universidade de Bordeaux, na França, a Sarah Wild, da Scientific American.
O mais antigo registro conhecido de seres humanos antigos adornando-se com contas remonta a aproximadamente 140.000 anos atrás, com a descoberta de contas de concha no atual Marrocos. Contudo, foi por volta de 45.000 anos atrás que a prática de utilizar miçangas experimentou um notável crescimento, marcado pela disseminação das tradições ornamentais pela Europa.
"“Esse é o momento em que os ornamentos pessoais adquirem um grau de diversidade, permitindo que os pesquisadores investiguem com mais precisão sua função como marcadores culturais”, explicam Baker e seus colegas em seu artigo.
Para conduzir a investigação, Baker compilou registros existentes de milhares de contas e pingentes esculpidos à mão encontrados em 112 sítios arqueológicos distribuídos pela Europa, abrangendo desde Portugal até a Rússia.
Com base na idade desses artefatos e em outros objetos associados, esses ornamentos haviam sido previamente categorizados sob uma única cultura, o povo gravettiano. Reconhecida principalmente por suas famosas figuras de Vênus, incluindo a Vênus de Willendorf, essa população dispersa prosperou por cerca de 10.000 anos antes de desaparecer antes do auge da última era glacial.
Contudo, ao serem reunidos em grande escala, a diversidade de ornamentos revelou-se notável. Os pesquisadores identificaram 134 tipos distintos de contas criadas pelos gravettianos, utilizando materiais como ossos de animais, dentes, conchas, âmbar e pedra. Algumas dessas contas assemelhavam-se a rabos de peixe, enquanto outras apresentavam semelhanças com corujas.
Embora a grande maioria das pequenas peças ornamentais tenha sido descoberta nas ruínas de assentamentos gravettianos, algumas foram exumadas em locais de sepultamento, onde também foram coletadas amostras de DNA.
Ao realizar comparações entre os ornamentos em diferentes regiões geográficas, Baker e seus colegas conseguiram identificar nove grupos culturais distintos, cada um com preferências exclusivas por diferentes tipos de contas, dependendo de sua localização geográfica.
Baker sugere que essas variações foram “cristalizadas” nos artefatos encontrados nos túmulos e possivelmente foram utilizadas como uma maneira eficaz para as pessoas se identificarem rapidamente.
Contudo, a análise também indica que as fronteiras culturais eram, por vezes, fluidas, com grupos vizinhos ocasionalmente adotando estilos uns dos outros.
Adicionalmente, quando os padrões presentes nos artefatos foram sobrepostos às evidências genéticas, uma narrativa mais complexa se desdobrou. Na Itália contemporânea, por exemplo, os pesquisadores identificaram dois grupos culturais distintos, apesar de as evidências de DNA sugerirem a existência de apenas um. Em outra região, que abrange a atual França e Bélgica, indivíduos com diferentes origens genéticas adornavam-se com os mesmos tipos de artefatos culturais.
Embora os pesquisadores já tenham alertado sobre a possível confusão entre as evidências arqueológicas e genéticas, o arqueólogo Peter Jordan, da Universidade de Lund e da Universidade de Hokkaido, elogiou o artigo de Baker e seus colegas como um “estudo de referência“. Ele destaca como a análise combinada de artefatos antigos e DNA pode revelar uma complexa tapeçaria de comportamentos culturais e relações grupais que não seriam discerníveis ao estudar apenas o DNA ou os artefatos isoladamente.
As descobertas também revelam que, mesmo durante as eras glaciais mais sombrias, nossos antepassados esculpiam e talhavam belos pingentes como meio de identificar seu povo e se distinguir dos demais, destaca Baker.
“O sentimento de pertencimento sentido por todos os seres humanos hoje está profundamente enraizado em nossa história compartilhada e desempenhou um papel importante na determinação de como o povo gravettiano se adornava”, conclui a equipe.
O estudo foi publicado na Nature Human Behaviour.