A utilização de microfones de dimensões reduzidas no rover Perseverance Mars da NASA demonstrou ser extremamente vantajosa para engenheiros e cientistas no estudo de mundos alienígenas. Esses sensores têm a capacidade de detectar rajadas de vento e até mesmo captar os sons dos pulsos de laser gerados pelos instrumentos do rover.
De maneira semelhante, esses microfones captaram as rotações das pás do helicóptero Ingenuity Mars, assim como o ritmo de funcionamento do Mars Oxygen In-Situ Resource Utilization Experiment (MOXIE), um experimento que visa a produção de oxigênio a bordo do Perseverance.
Considerando as contribuições científicas valiosas que esses instrumentos proporcionaram durante a exploração da cratera Jezero, é chegada a hora de aumentar a sensibilidade dos microfones para futuras missões de exploração extraplanetária.
Esforços internacionais
Timothy Leighton é um professor de Ultrassônica e Acústica Subaquática na Universidade de Southampton, localizada no Reino Unido, especificamente na Inglaterra. Ele mantém seu compromisso contínuo com iniciativas internacionais que buscam integrar sensores acústicos em sondas espaciais destinadas a Marte e a diversos outros destinos no espaço sideral.
“O trabalho vai além de apenas ouvir sons”, disse Leighton ao Space.com, pois eles podem ser analisados para informar os pesquisadores sobre o vento, a temperatura, a química e a turbulência em Marte. “É possível extrair uma enorme quantidade de informações ouvindo os sons”, disse Leighton.
"Leighton tem direcionado seus esforços para estimular o interesse do público, buscando assegurar que os responsáveis pela formulação de políticas se empenhem na instalação de microfones em planetas distantes.
Pacote de software
Para esse propósito, Leighton disponibilizou um dispositivo de simulação acústica a um planetário local, destinado a ser utilizado em apresentações ao vivo, com o intuito de envolver e inspirar as crianças nas áreas de ciências e engenharia.
Esse conjunto de software reproduz simulações de áudio que estimam os sons gerados por fenômenos naturais, como trovões, vento e criovulcões, para complementar apresentações visuais e espetáculos de planetário relacionados à exploração de Vênus, Marte e a maior lua de Saturno, Titã.
Além disso, esse conjunto de software tem a capacidade de modificar a voz do apresentador ou de um membro da plateia, simulando como suas vozes soariam em qualquer mundo fora da Terra que esteja sendo abordado nas apresentações.
“O exercício também permitiu uma explicação da ciência e da engenharia por trás da criação dos sons”, disse Leighton. “No entanto, os avanços realmente importantes são aqueles provenientes da ciência e da engenharia do Perseverance”, disse ele, “e, em comparação com isso, minhas contribuições são pequenas, apenas trabalho para despertar o interesse das pessoas.”
Faixa audíve
Após sua aterrissagem em fevereiro de 2021, o rover Mars Perseverance da NASA tornou-se a primeira missão a Marte capaz de coletar e transmitir dados sonoros audíveis da superfície marciana.
Esse veículo robótico sobre rodas está equipado com dois microfones distintos: o microfone SuperCam, estrategicamente localizado no topo do mastro giratório do rover, e o microfone de entrada, descida e aterrissagem, fixado na estrutura do próprio rover.
O microfone da SuperCam capturou não apenas o som do vento e da turbulência, mas também registrou diversas operações do equipamento, proporcionando insights valiosos. Além disso, permitiu a realização de análises em tempo real sobre como as ondas sonoras se comportam na atmosfera tênue de Marte, predominantemente composta de dióxido de carbono.
Assinaturas acústicas
Os sons detectados em Marte têm suas origens em três fontes principais. Primeiramente, na própria atmosfera marciana, onde são gerados devido à turbulência e à ação do vento. Em seguida, provêm das ondas de choque produzidas pelo instrumento LIBS (Espectroscopia de Quebra Induzida por Laser) na SuperCam. Por fim, são gerados artificialmente pelo hardware, incluindo os ruídos produzidos pelos motores do rover enquanto movimentam suas rodas.
Um exemplo notável disso é o som do MOXIE, conforme relatado por Michael Hecht, pesquisador do Observatório Haystack do MIT, que foi capturado em praticamente todas as operações pelo microfone da SuperCam.
“Esse fica no topo do mastro e é intencionalmente isolado do corpo para que o som passe pelo ar”, disse Hecht ao portal Space.com.
Outro som artificial, gerado pelo hardware, emana das pás giratórias de alta velocidade do helicóptero Ingenuity. Durante diversos voos do Ingenuity, a proximidade das operações permitiu que as assinaturas acústicas fossem capturadas com sucesso pelo microfone da SuperCam.
Lista de reprodução Perseverance
Agora, foi criada uma “playlist Perseverance” contendo horas de sons marcianos, conforme relatado pelos pesquisadores Ralph Lorenz, do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, e Baptiste Chide, da Equipe de Exploração Espacial e Planetária do Laboratório Nacional de Los Alamos.
Durante uma recente conferência da Sociedade Acústica da América, esses pesquisadores destacaram que o som mais proeminente registrado provém dos voos do helicóptero Ingenuity.
Em um artigo relacionado, Lorenz enfatizou que os dados coletados pelo helicóptero desempenham um papel fundamental na compreensão do ambiente acústico de Marte. Além disso, essas medições acústicas representam uma ferramenta de diagnóstico valiosa para avaliar as características de voo do helicóptero robótico, o que pode ser crucial para apoiar futuras missões de coleta de amostras em Marte.
Lorenz e seus colegas pesquisadores também destacaram que a missão de pouso do helicóptero Dragonfly da NASA na lua gelada de Saturno, Titã, atualmente em desenvolvimento, pode incluir um ou mais microfones, permitindo a medição da operação do rotor/motor e, possivelmente, a detecção de sons ambientais, como o ruído do vento.
Sinais de pressão
Para o planejamento de missões que envolvam o uso de microfones ou outros sensores acústicos em diferentes mundos, bem como para a correta concepção desses instrumentos, Leighton enfatizou a importância de antecipar a natureza dos sinais passíveis de detecção.
Essas previsões desempenham um papel crucial na tomada de decisões de projeto, como a possibilidade de substituir um sistema de microfone único planejado por um sistema composto por três microfones, por exemplo.
Um exemplo citado é a taxa de ocorrência de relâmpagos atmosféricos em Vênus, que se acredita ser cerca da metade da observada na Terra. Além do potencial para gerar sinais acústicos devido a relâmpagos, Leighton também destacou que a presença de redemoinhos de poeira em Marte pode originar sinais de pressão.
Além disso, o pesquisador apontou para evidências que sugerem a possível existência de criovulcões em lugares como a lua de Netuno, Tritão, assim como nas luas de Júpiter, Io e Europa, além de Titã e da lua de Saturno, Enceladus.
Concluindo, fica evidente que o espaço sideral pode oferecer um palco sonoro de valor inestimável para a pesquisa e exploração.