Num novo e fascinante artigo acadêmico, o renomado professor Yosef Garfinkel, do prestigioso Instituto de Arqueologia da Universidade Hebraica, apresenta descobertas arqueológicas que poderiam reescrever a história.
De acordo com suas pesquisas minuciosas, datadas de cerca de 1000 a.C., durante o icônico reinado do rei Davi, evidências surpreendentes de assentamentos urbanos em cidades bem organizadas foram desenterradas.
Publicado recentemente no renomado Jerusalem Journal of Archaeology, o estudo do professor Garfinkel lança luz sobre a existência de um reino profundamente desenvolvido, governado pelo lendário rei Davi.
E não são apenas cidades isoladas que são reveladas, mas um intrincado sistema de estradas que conectavam esses centros urbanos.
Essas descobertas estão em clara contradição com a teoria minimalista defendida por alguns estudiosos, os quais sugeriram que a grandiosidade do reino do rei Davi, conforme relatada na Bíblia, poderia ser mera exageração.
"“O que é um reino?”, pergunta Garfinkel. “Você precisa de cidades e estradas, poder militar e econômico, e escrita”.
O artigo de Garfinkel tem por objetivo investigar minuciosamente as evidências que sustentam a existência do governo monárquico exercido pelo rei Davi, em um contexto histórico específico, por meio de uma análise aprofundada de cinco cidades situadas a uma distância temporal estimada entre meio dia e um dia de viagem a partir de Jerusalém.
“Se você observar todos esses locais, eles têm o mesmo conceito urbano, todos estão localizados na fronteira do reino e situados onde há uma estrada principal que leva a eles”, disse ele. “Essas cidades não estão localizadas no meio do nada. É um padrão de urbanismo com o mesmo conceito.”
Minimalista x Bíblico
No entanto, nos dias de hoje, mergulhamos em um intrigante mistério que desafia os especialistas há décadas: a história do rei Davi.
Apesar da reverência e do prestígio que envolvem esse icônico monarca bíblico, a escassez de evidências arqueológicas nos deixa perplexos diante da existência de uma monarquia estruturada durante o seu suposto reinado.
São nos cenários grandiosos de Hebrom e Jerusalém, os lugares onde se presume que ele tenha vivido a maior parte de sua vida, que encontramos uma lacuna na história.
Yuval Gadot, um renomado arqueólogo da Universidade de Tel Aviv, expressou sua frustração de forma vívida: “Posso pegar uma simples caixa de sapatos e abrigar nela todo o legado material desse período.”
Suas palavras ecoam a limitada evidência que temos sobre o governo do notável e enigmático rei Davi na cidade de Jerusalém. Uma metrópole rica em história e espiritualidade, mas que guarda poucos vestígios tangíveis desse lendário monarca.
Somente em 1993, um feixe de luz brilhou sobre o véu desse mistério. Foi nesse ano que o arqueólogo Avraham Biran fez uma descoberta surpreendente nas antigas ruínas de Tel Dan, ao norte de Israel.
Uma inscrição cravada em pedra fazia menção à “Casa de Davi”, oferecendo assim a primeira evidência concreta da existência desse líder proeminente chamado Davi.
Existem dois caminhos arqueológicos fascinantes a serem explorados quando se trata do enigma que envolve o rei Davi. É como se estivéssemos diante de um emocionante quebra-cabeça histórico, com duas perspectivas distintas a serem consideradas.
Por um lado, temos a corrente “minimalista”, que nos transporta para um cenário pitoresco e autêntico. Nessa visão, Davi emerge como um líder carismático, enraizado nas terras áridas e selvagens das imediações de Jerusalém.
Ele comandava um grupo de beduínos locais e, com sua astúcia e habilidades de liderança, governava sobre uma modesta comunidade de pastores.
É como se Davi fosse uma figura quase lendária, um rei singular que reinava sobre um pequeno domínio, mas que deixou uma marca indelével na história.
No entanto, há uma outra corrente de pensamento que nos leva a um mundo grandioso e complexo, imerso nas páginas sagradas da Bíblia.
Essa perspectiva nos permite vislumbrar Davi como um monarca poderoso, governante de um vasto reino. Sua influência se estendia além das colinas áridas, abrangendo uma rede urbana de cidades fortificadas.
É como se ele personificasse a própria essência da realeza, com todas as intrigas, conquistas e desafios que isso implica.
É nesse ponto que o artigo de Garfinkel entra em cena, lançando luz sobre os vestígios arqueológicos que sugerem a existência de uma rede de cidades fortificadas, que ecoam as descrições bíblicas do reino de Davi.
“Odeio usar o termo ‘tentar provar a Bíblia’, porque não estou tentando provar nada”, afirmou Garfinkel. “Existem tradições bíblicas, e podemos ver se elas possuem memórias históricas ou não… Isso não significa que tudo, 100 por cento, são memórias históricas. Às vezes há erros, às vezes há ilusões, às vezes há ideologia.”
Garfinkel advertiu contra aderir a extremos em qualquer uma das escolas de pensamento. “Algumas pessoas pensam que tudo na Bíblia é útil, e outras pensam que nada é útil, mas isso não é ciência, é teologia”, disse ele.
Divergem da interpretação de Garfinkel outros arqueólogos, embora não endossem integralmente a perspectiva minimalista.
“Considero isso uma simplificação excessiva e uma redução dos detalhes”, criticou o professor Aren Maeir, da Universidade Bar Ilan. “Existem muitos pequenos detalhes com os quais não concordo, e há generalizações sobre um amplo período que são problemáticas.”
“Por exemplo, há controvérsia sobre se Khirbet Qeiyafa, que Garfinkel citou como uma das cidades da rede, era de fato uma cidade judaíta ou cananeia”, argumentou. “Uma vez que você começa a construir um cenário completo do tamanho do reino em vários pontos, que se baseiam em suposições não claramente comprovadas, está construindo um castelo de cartas.”
Maeir sustenta a existência histórica de um Rei Davi que governou um reino em Jerusalém, no entanto, ele afirma não ter encontrado provas suficientes para determinar de forma precisa a extensão e complexidade da região governada pelo Rei Davi.
Um mapa da cidade
Descobertas surpreendentes surgiram nas pesquisas de Garfinkel quando ele investigou as cinco cidades selecionadas para o estudo.
Essas magníficas localidades revelaram possuir um design notavelmente semelhante: um imponente muro externo, lares acolhedores alinhados em um dos lados junto ao muro, enquanto do outro lado se deparavam com estradas movimentadas.
No entanto, em três dessas cidades, algo fascinante chamou a atenção de Garfinkel: a presença de muralhas em forma de “casamatas”.
Essa descoberta intrigante descreve muralhas compostas por dois muros paralelos que circundavam as cidades, ao invés de um tradicional muro externo maciço. Além de impressionante, essa construção trazia benefícios notáveis.
Os muros de casamatas eram erguidos de forma muito mais rápida do que seus equivalentes maciços, demandando menos materiais. Além disso, criavam um espaço entre os muros, um verdadeiro santuário para acomodações residenciais.
No entanto, o maior segredo dessa arquitetura inteligente se revelava em tempos de adversidade.
Se essas cidades enfrentassem um ataque iminente, os defensores teriam uma estratégia formidável em mãos. Rapidamente, poderiam preencher o vazio entre as casamatas, transformando-as em um sólido e impenetrável muro de proteção.
“Além disso, foram encontradas várias inscrições protocananeias e cananeias em alguns dos locais, o que indica uma maior necessidade de comunicação, que é um sinal de autoridade centralizada e um reino forte”, afirmou Garfinkel.
A partir da premissa de que os sítios arqueológicos foram submetidos a escavações independentes, caracterizadas por distintos níveis de rigor metodológico, o estudo elaborado por Garfinkel assume uma posição pioneira ao estabelecer vínculos entre tais sítios, delineando assim uma rede urbana estruturada em torno do período aproximado de 1000 a.C.
É importante ressaltar que, durante a chamada Idade do Ferro, compreendida entre os anos 1104 e 960 a.C., a figura do rei Davi exerceu seu reinado.
“A evidência já era conhecida anteriormente; não se trata de novas descobertas. O que era necessário era alguém que viesse e observasse a imagem completa que essas descobertas representam”, afirmou.
Cavar e postar
Garfinkel, movido por uma insaciável curiosidade e desejo de desvendar os segredos do passado, mergulhou diretamente no solo histórico de apenas dois dos cinco sítios que compõem a intrigante rede urbana.
Com sua pá em mãos, ele se aventurou na parte nordeste de Lachish, uma localidade imbuída de mistério e história milenar. Mas não parou por aí. Seus passos o levaram também a Khirbet Qeiyafa IV, situada no pitoresco vale de Elah, um dia de caminhada distante de Jerusalém.
No entanto, foi na grandiosa Khirbet ed-Dawwara que a verdadeira magia arqueológica se revelou. Sob o olhar atento do renomado arqueólogo israelense Prof. Israel Finkelstein, essa antiga cidade ressurgiu das areias do tempo com uma história fascinante.
Habitações erguidas, ruas traçadas e uma sociedade florescente que, curiosamente, durou apenas três décadas antes de ser misteriosamente abandonada. Foi nesse breve período que a cidade ofereceu aos arqueólogos uma visão clara e vívida do esplendor e da arquitetura típicos daquela época distante.
Outros sítios, envoltos em camadas de mistério e silêncio, foram testemunhas de escavações há muito tempo.
Algumas delas ocorreram há quase um século, quando a cidade de Beit Shemesh começou a revelar seus segredos aos arqueólogos, desde o ano de 1911. Já Tell en-Nabeh, com todo o seu esplendor antigo, foi minuciosamente escavada entre os anos de 1926 e 1935.
“Muitas dessas cidades não foram escavadas adequadamente ou tiveram uma escavação muito antiga”, explicou. “O principal problema que temos em Israel é que a maioria dos nossos sítios arqueológicos são tels, o que significa que muitas cidades foram construídas uma em cima da outra. A parte mais importante da arqueologia aqui é garantir a separação entre o Nível 1, o Nível 2, o Nível 3 e o Nível 4”.
“No passado, não havia tanta consciência em fazer isso, e também havia apenas de 1 a 3 arqueólogos entre 70 e 150 trabalhadores em um local. Portanto, quando estavam no campo, muitas vezes combinavam vários níveis e a imagem ficava borrada”, acrescentou.
Garfinkel empreendeu uma revisão minuciosa de publicações arqueológicas históricas, abrangendo desde a década de 1930 até obras contemporâneas, com o propósito de estruturar de maneira sistemática as descobertas anteriormente desordenadas.
Tal empreendimento visava estabelecer níveis mais coerentes de categorização, os quais são amplamente empregados pelos arqueólogos contemporâneos.
“Essas informações estavam ocultas nesses relatórios”, afirmou.
Entretanto, o artigo recente ressalta igualmente o que o arqueólogo considera ser o alicerce fundamental do campo da arqueologia: a publicação acadêmica.
“A escavação é muito empolgante; você sai e escava por um mês. Mas a pesquisa e a escrita ocorrem durante três ou quatro anos após esse período. Muitas escavações em Israel nunca foram publicadas, e a publicação é a parte mais crucial da arqueologia”, concluiu.