Numa tumba próxima a Tebas, a majestosa cidade de Luxor nos tempos antigos, encontra-se uma pintura singular que emoldura o faraó Ramsés II, conhecido como “o Grande”, cujo reinado estendeu-se de 1279 a.C. a 1213 a.C.
Esta obra de arte meticulosamente executada retrata o soberano com uma imponente barba no rosto, encarando uma figura misteriosa, cujos traços permanecem enigmáticos e ocultos aos olhos curiosos.
Ao longo dos séculos, eruditos e estudiosos imergiram no mistério dessa pintura, levantando uma teoria intrigante: ela poderia representar o faraó Ramsés II em profundo luto pela perda de seu amado pai, o faraó Seti I, que reinou entre 1294 a.C. e 1279 a.C.
Tal interpretação, envolta em melancolia e reflexão, conferiria à obra uma dimensão emocional profunda, revelando um lado íntimo e humano do poderoso líder.
Contudo, como as brumas do tempo sempre ocultam parte da verdade, um recente escaneamento do retrato traz à tona uma nova e fascinante perspectiva.
"Utilizando uma tecnologia portátil de imagem por fluorescência de raios X (XRF), capaz de revelar a composição química oculta dos objetos, a equipe de pesquisadores empreendeu uma jornada de descobertas nas profundezas daquela pintura milenar.
O resultado foi surpreendente, revelando detalhes invisíveis aos olhos humanos comuns.
Reinterpretação
A equipe fez uma descoberta relevante ao constatar que o renomado monarca encontra-se efetivamente confrontando Ptah, uma deidade ancestral da mitologia egípcia associada à concepção do mundo e venerada como patrono das artes e dos ofícios.
“A análise revela que Ramsés II encontra-se sob um dossel ritualístico, enquanto a figura entronizada diante dele é claramente o deus Ptah, e não seu falecido pai Seti I”, escreveu a equipe no novo estudo.
O grupo de pesquisa também constatou que Ramsés II era representado com uma proeminente “proeminência laríngea”, sendo ressaltado pelos pesquisadores que tal detalhe é curiosamente inexistente nas representações artísticas do antigo Egito.
Adicionalmente, de acordo com os pesquisadores, originalmente o faraó era retratado utilizando o que os antigos egípcios denominavam de “colar shebyu”, que consistia em “diversas correntes robustas de ouro formadas por contas lenticulares grandes e pesadas”.
Eles explicaram que esse colar era amplamente popular durante a dinastia XX (c. 1186 a.C. – 1070 a.C.), contudo, não foi utilizado durante o reinado de Ramsés II.
De acordo com as observações dos autores do estudo, o colar shebyu foi revestido com pintura e substituído por um colar wesekh, uma peça de joalheria plana que foi empregada durante o reinado de Ramsés II.
Com base na descoberta do colar, a equipe de pesquisa sustenta a hipótese de que a pintura original foi realizada durante a dinastia XX, várias décadas após o falecimento de Ramsés II.
De acordo com o estudo, é plausível que, ao perceberem que haviam retratado erroneamente o tipo de colar no faraó, os artistas tenham realizado a correção necessária.
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“A proeminente maçã de Adão em Ramsés II pode ter sido adicionada durante o processo de repintura, possivelmente por engano”, afirmou o autor principal Philippe Martinez, arqueólogo molecular da Universidade Sorbonne e do Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica (CNRS). “Não está claro por que Ramsés II é retratado com uma incipiente barba no queixo. Isso é atípico, uma vez que um faraó geralmente é representado com a barba completamente raspada ou barbeada”.
No entanto, há divergências em relação à interpretação recente.
Peter Brand, professor de história na Universidade de Memphis e autor do livro Ramesses II: Egypt’s Ultimate Pharaoh (Lockwood Press, 2023), que não esteve envolvido no estudo, afirmou que suas próprias pesquisas indicam que os colares shebyu foram utilizados durante o reinado de Ramsés II.
Ele sustenta a opinião de que a pintura em questão remonta ao final do mandato do faraó.
“As altas proporções da coroa azul do rei e seu nariz em forma de “cinzel” são consistentes com os últimos anos de seu reinado, como é observado nos relevos de Karnak, um complexo de templos em Tebas dedicado ao deus Amón-Ra”, argumentou Brand.
Ele também expressou discordância em relação aos autores quanto à proeminente maçã de Adão na pintura, argumentando que tal característica não é exclusiva nos retratos do antigo Egito.
Além da pintura que retrata Ramsés II, a equipe de pesquisa também realizou análises em outra pintura presente na tumba da necrópole.
Nessa representação, que retrata o proprietário da tumba chamado Menna, a análise por meio de escaneamento revelou detalhes adicionais sobre um braço que foi pintado, permanecendo facilmente visível a olho nu.
Os resultados do estudo foram publicados na revista PLOS One.