Cientistas empregaram células-tronco para criar estruturas laboratoriais similares a embriões humanos, desencadeando um chamado por regulamentações mais rigorosas na pesquisa em células-tronco, que está avançando rapidamente.
Nas últimas semanas, diversos laboratórios em diferentes partes do mundo divulgaram estudos pré-publicados, detalhando suas investigações, as quais especialistas enfatizam a necessidade de serem abordadas com cautela, uma vez que ainda não passaram pelo processo de revisão por pares.
Diversas técnicas foram empregadas por laboratórios para induzir a autoagregação de células-tronco embrionárias humanas, as quais possuem a capacidade de se diferenciarem em qualquer tipo de célula, resultando na formação de uma estrutura que se assemelha a um embrião, sem a necessidade de utilização de esperma, óvulo ou fertilização.
O objetivo dessas pesquisas é proporcionar aos cientistas um modelo para o estudo de embriões humanos, possibilitando abordagens que antes eram inviáveis devido a preocupações éticas, e assim, obter uma nova perspectiva sobre as causas de defeitos congênitos, distúrbios genéticos, infertilidade e outros problemas relacionados à gravidez.
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O primeiro anúncio foi feito durante a reunião anual da Sociedade Internacional de Pesquisa com Células-Tronco, ocorrida em Boston, quando Magdalena Zernicka-Goetz, pesquisadora da Universidade de Cambridge e do Instituto de Tecnologia da Califórnia, apresentou o trabalho realizado por sua equipe.
"A divulgação inicial dessa pesquisa foi reportada pelo jornal The Guardian.
Na quinta-feira, foi publicado um estudo pré-publicado pela equipe de Jacob Hanna, do Instituto Weizmann de Ciência em Israel, no qual detalharam o seu próprio trabalho em relação a modelos de embriões humanos baseados em células-tronco.
Posteriormente, a equipe de Zernicka-Goetz também divulgou rapidamente sua própria pré-publicação, fornecendo informações adicionais. Outros laboratórios na China e nos Estados Unidos seguiram o exemplo, divulgando suas próprias pré-publicações no final da semana passada.
Os pesquisadores contestaram as reportagens da mídia que denominaram esses aglomerados de células como “embriões sintéticos”, argumentando que eles não são estritamente sintéticos, pois se desenvolvem a partir de células-tronco, e tampouco deveriam ser considerados embriões.
Um tanto peculiar
A avalanche de dados ressaltou a natureza extremamente competitiva da pesquisa nessa área.
Com um intervalo de algumas semanas, em agosto do ano passado, as equipes lideradas por Zernicka-Goetz e Hanna publicaram artigos descrevendo seu trabalho pioneiro na criação de estruturas semelhantes a embriões utilizando células-tronco de camundongos.
Ambas as equipes informaram à agência de notícias AFP que seus novos estudos foram aceitos por revistas especializadas de renome, além de terem apresentado seus trabalhos em conferências meses antes da recente atenção da mídia.
Hanna refutou a ideia de que qualquer uma das equipes fosse a “primeira”, argumentando que alcançaram realizações distintas.
Segundo ele, seus modelos possuíam “placenta, saco vitelino, cavidade amniótica” e outras características embrionárias que, segundo ele, estavam ausentes nas estruturas criadas por Zernicka-Goetz.
Outros pesquisadores também pareceram concordar que os modelos desenvolvidos por Hanna eram mais avançados, elogiando sua equipe por utilizar apenas modificações químicas, em vez de genéticas, para transformar as células em estruturas semelhantes a embriões.
“A semelhança [do modelo de Hanna] com o embrião natural é notável, quase inquietante”, afirmou Jesse Veenvliet, pesquisador do Instituto Max Planck de Biologia Celular e Genética Molecular, na Alemanha.
Darius Widera, especialista em biologia de células-tronco da Universidade de Reading, no Reino Unido, afirmou à AFP que é mais prudente aguardar a revisão por pares antes de fazer comparações entre as pesquisas.
Mas “o impacto de ambos os estudos é imenso”, acrescentou ele.
“Devemos tentar evitar um alarde prejudicial, uma vez que essa tecnologia está em estágio inicial – mas já serão necessárias novas diretrizes.”
No âmbito do desconhecido?
Ambos os laboratórios revelaram que desbravaram os mistérios dos modelos embrionários ao longo de 14 preciosos dias, o limite estabelecido por muitos países para o cultivo de embriões humanos em ambiente laboratorial.
É nesse instante crucial que os embriões iniciam a orquestração das células para a formação de órgãos, incluindo o complexo cérebro.
No entanto, adentramos em um território enigmático, conhecido como a “caixa preta”, onde as informações sobre o desenvolvimento dos embriões humanos são escassas e obscuras além desse ponto.
As regulamentações para pesquisas nessa área variam de país para país, porém, a maioria delas se aplica a embriões resultantes de fertilização – uma lacuna que os novos modelos semelhantes a embriões escapam.
Na última sexta-feira, a Universidade de Cambridge anunciou o lançamento de um projeto pioneiro voltado ao estabelecimento de diretrizes de governança para modelos de embriões humanos baseados em células-tronco no Reino Unido.
Os cientistas envolvidos enfatizaram que não têm a intenção de implantar seus modelos de embriões em um útero humano – e mesmo que isso fosse feito, não resultaria no nascimento de um bebê.
Em pesquisas anteriores, um modelo de embrião implantado em uma macaca fêmea induziu alguns sinais de gravidez, mas não conseguiu sobreviver, conforme relatou Widera.
James Briscoe, do renomado Instituto Francis Crick, no Reino Unido, instou os pesquisadores a procederem com cautela, cuidado e transparência diante dessas novas descobertas.
“O perigo reside no fato de que passos em falso ou afirmações infundadas terão um efeito inibidor sobre o público e os formuladores de políticas, o que representaria um grande retrocesso para o campo.”