Estimular o cérebro de roedores com emissões de sinais de ultrassom induz um estado de torpor nos mesmos. Surge, assim, a indagação por parte dos cientistas sobre a possibilidade de aplicação dessa técnica em seres humanos.
Os pesquisadores utilizaram a técnica de estimulação cerebral por meio de ultrassom em camundongos e ratos, com o objetivo de induzir um estado de hibernação.
Essa abordagem inovadora levanta a possibilidade de sua aplicação futura em humanos que se encontram em unidades de terapia intensiva ou em astronautas envolvidos em missões espaciais de longa duração.
O método consiste na emissão de ultrassom em uma região específica do cérebro responsável pelo controle do metabolismo e da temperatura corporal.
Os resultados obtidos demonstraram uma redução média de até 6,25 graus Fahrenheit (3,5 graus Celsius) na temperatura corporal dos roedores, além de uma diminuição dos batimentos cardíacos e do consumo de oxigênio.
"Esses efeitos foram alcançados por meio dessa intervenção precisa e controlada.
Os resultados obtidos por meio do estudo animal oferecem aos pesquisadores valiosas perspectivas sobre a possibilidade de induzir estados de hibernação ou torpor de maneira segura e não invasiva em seres humanos.
Essas descobertas foram publicadas na revista Nature Metabolism, em 25 de maio, fornecendo um importante avanço científico nessa área de pesquisa.
“Se demonstrada com sucesso em seres humanos, essa tecnologia possui um potencial significativo para aplicações médicas, especialmente em situações de risco de vida, como acidente vascular cerebral e ataques cardíacos”, afirmou Hong Chen, professor associado de engenharia biomédica na Universidade de Washington em St. Louis e autor principal do estudo, em entrevista ao portal LiveScience.
“Induzir um estado de torpor nesses pacientes pode ampliar a janela de tratamento e aumentar suas chances de sobrevivência”, complementou.
Quando confrontados com escassez de alimentos ou condições climáticas extremamente frias, alguns mamíferos, pássaros, insetos, anfíbios e peixes adotam um mecanismo de preservação energética, entrando involuntariamente em um estado conhecido como torpor.
Esse estado é caracterizado por um metabolismo drasticamente reduzido, temporário e envolto em mistério.
Durante o torpor, ocorre uma queda acentuada na temperatura corporal e na frequência cardíaca do animal, além de um fluxo sanguíneo mais lento.
Durante a hibernação, que é um processo voluntário e preparado antecipadamente, os animais experimentam uma sequência de episódios de torpor.
Durante esses episódios, os batimentos cardíacos diminuem de centenas por minuto para um número mínimo, a respiração ocorre apenas a cada dez minutos ou até mais espaçadamente, e a atividade cerebral diminui a ponto de se tornar indetectável.
Na realidade, durante os períodos de torpor, ocorre uma redução tão significativa das funções inconscientes que muitos animais em estado de hibernação necessitam despertar periodicamente para obter um sono adequado.
As profundas alterações fisiológicas do torpor resultam em uma drástica redução da energia necessária para a sobrevivência dos animais.
Portanto, não é surpreendente que os cientistas estejam há muito tempo interessados em descobrir se tais benefícios podem ser aplicados a seres humanos em condições graves de ferimentos ou a indivíduos em voos prolongados e solitários em direção a planetas distantes.
Na verdade, existem registros que remontam ao antigo Egito sobre a potencial utilidade médica da hipotermia, uma redução normalmente perigosa da temperatura corporal.
Durante a fracassada invasão francesa da Rússia em 1812, o cirurgião-chefe de Napoleão, Barão de Larrey, observou esse fenômeno.
Ele envolvia os membros dos soldados feridos com gelo antes de amputá-los e notou que os indivíduos morriam mais rapidamente devido ao calor do fogo em comparação com a proximidade do frio.
Nos tempos modernos, os cirurgiões têm utilizado estados hipotérmicos para aumentar as taxas de sobrevivência dos pacientes durante procedimentos cirúrgicos cardíacos e cerebrais.
No entanto, permanece uma questão em aberto se os humanos, que não entram naturalmente em estados de torpor, podem ser artificialmente e com segurança induzidos a esse estado.
Para investigar essa possibilidade, os cientistas envolvidos no presente estudo desenvolveram um dispositivo de ultrassom em forma de chapéu, que foi inicialmente fixado na cabeça dos ratos.
Uma vez ativado, esse dispositivo emitiu ondas de ultrassom direcionadas para uma região específica do cérebro dos roedores, conhecida como área pré-óptica do hipotálamo.
Essa região cerebral desempenha um papel crítico no controle da temperatura corporal e do sono em diversos animais, assim como na ativação dos estados de hibernação e torpor em animais que hibernam.
Teste de animação suspensa em camundongos
Após serem expostos às rajadas de ultrassom, os camundongos entraram imediatamente em um estado de torpor, caracterizado por uma drástica redução na temperatura corporal, nos batimentos cardíacos e no consumo de oxigênio.
Além disso, os ratos apresentaram um comportamento mais lento e uma significativa diminuição na ingestão de alimentos.
Ao repetir as séries de pulsos de ultrassom sempre que a temperatura corporal dos camundongos excedia um determinado limiar, os cientistas obtiveram sucesso em manter esses animais em estados de torpor por até 24 horas, sem apresentar qualquer sinal de lesão ou desconforto.
Após desligar o dispositivo de ultrassom, a temperatura corporal normal e os níveis de atividade dos camundongos se restabeleceram em menos de 90 minutos.
Após repetir o experimento em 12 ratos, os pesquisadores observaram que o dispositivo também causou uma diminuição na temperatura corporal dos roedores, embora em uma proporção menos significativa, chegando a uma redução de até 3,57 °F (2 °C).
Esses resultados indicam, conforme mencionado pelos autores do estudo, que o chapéu pode ser eficaz em mamíferos que não entram naturalmente em estado de torpor, incluindo os humanos.
“É necessário realizar mais pesquisas para determinar a segurança e a viabilidade dessa abordagem em seres humanos”, afirmou Chen.
“Podemos imaginar que astronautas utilizem um dispositivo semelhante a um capacete projetado para direcionar a região do hipotálamo e induzir um estado de torpor”, acrescentou.
No entanto, existem vários desafios a serem superados antes que os dispositivos indutores de torpor por ultrassom possam ser empregados com o intuito de auxiliar os profissionais médicos durante procedimentos cirúrgicos ou para induzir um estado de animação suspensa em astronautas.
Os pesquisadores constataram que seu dispositivo de ultrassom tem a capacidade de induzir um estado de torpor, estimulando um canal iônico específico dentro das células cerebrais dos roedores.
No entanto, o torpor natural observado na natureza também está associado a outras alterações nos níveis hormonais e moleculares, que ainda não são totalmente compreendidas.
Além disso, os efeitos da hibernação de longa duração no cérebro ainda não são claros, embora alguns estudos sugiram a possibilidade de causar perda de memória em animais em estado de hibernação.
“É notável o quanto ainda desconhecemos sobre os efeitos da hibernação, especialmente em sua forma prolongada, sobre a função cerebral, as conexões sinápticas e as memórias”, afirmou Vladyslav Vyazovskiy, professor de fisiologia do sono na Universidade de Oxford, em uma entrevista concedida ao portal Live Science, sem estar diretamente envolvido no novo estudo.
“Portanto, antes de tentarmos induzir a hibernação em seres humanos, é crucial garantir que saibamos como trazê-los de volta ao estado ‘normal’ sem causar danos”, ressaltou Vyazovskiy.
“Até que tenhamos uma compreensão abrangente das causas e consequências da hibernação natural, a possibilidade de induzir o torpor em humanos continuará, e deve continuar, pertencendo ao domínio da ficção científica.”