O tecido encefálico, flexível e complexo, executa suas funções através de uma sinfonia de ondas cerebrais. Enquanto diversas atividades são realizadas simultaneamente, o método pelo qual o cérebro previne a interferência entre diferentes frequências de onda tem sido um mistério persistente.
Contudo, uma equipe de cientistas dos Estados Unidos descobriram que a trajetória das ondas cerebrais em movimento está sincronizada com a natureza da tarefa em questão: processos cognitivos de aprendizado seguem uma direção, enquanto mecanismos de memória e recuperação de informações seguem o caminho oposto.
“Essas descobertas… nos ajudam a entender melhor como o cérebro suporta uma ampla gama de comportamentos que envolvem interações precisamente coordenadas entre as regiões do cérebro”, explica Uma Mohan, neurologista do National Institutes of Health dos EUA.
A pesquisa envolveu 93 indivíduos internados em hospitais por todo o território americano, os quais já possuíam eletrodos implantados de forma temporária no córtex cerebral como parte do tratamento para epilepsia refratária. Esse procedimento proporcionou aos cientistas a oportunidade única de acessar áreas geralmente inacessíveis para estudo.
“É uma oportunidade rara de poder ver o que está acontecendo diretamente no cérebro enquanto os participantes estão envolvidos em diferentes comportamentos cognitivos”, disse Mohan.
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O córtex, a camada mais superficial do cérebro, desempenha um papel crucial na consciência e em comportamentos cognitivos como a atenção e o raciocínio.
Mohan e sua equipe monitoraram as ondas cerebrais nas frequências teta (2-8 Hz) e alfa (8-13 Hz), observando seu fluxo pela superfície cortical enquanto os participantes engajavam-se em distintas atividades. Algumas dessas atividades envolviam a memorização de sequências de palavras ou caracteres; outras, por sua vez, focavam na recuperação dessas informações memorizadas.
“Estamos observando as oscilações neurais não como coisas independentes e estacionárias, mas como coisas que se movem constante e espontaneamente pelo cérebro de forma dinâmica”, observa Mohan.
Demandou-se um esforço considerável, aliado ao uso de tecnologias avançadas, para decifrar a complexidade dos padrões de sinalização cerebral entre os sujeitos e estabelecer um padrão discernível. No decorrer do estudo, verificou-se que 67 dos participantes exibiam ondas cerebrais de intensidade insuficiente para análise durante as atividades de memorização.
A equipe sugere que a ampla gama de variações observadas pode ser atribuída às diferenças anatômicas e fisiológicas inerentes a cada indivíduo, o que possivelmente explica a não detecção prévia dessas direcionalidades específicas das ondas cerebrais.
“Descobrimos que as ondas tendiam a se mover da parte de trás do cérebro para a frente enquanto os pacientes estavam colocando algo na memória”, explica Mohan.
O lobo frontal destaca-se como a região cerebral que mais se ativa durante o processo de construção de um contexto interno.
“Quando os pacientes estavam mais tarde tentando se lembrar das mesmas informações, essas ondas se moviam na direção oposta, da parte frontal para a parte posterior do cérebro”, continua Mohan.
Permanece um mistério se os sinais neuronais são os maestros das atividades cerebrais ou meros efeitos colaterais das mesmas. Contudo, é consenso que as ondas cerebrais itinerantes desempenham, ao menos, um papel fundamental na coordenação da sequência e do ritmo das funções em diversas áreas do cérebro.
Os avanços recentes na pesquisa endossam essa hipótese.
A flutuação dessas ondas reflete a atividade neuronal, fornecendo insights sobre o fluxo de comunicação celular através do cérebro em pulsos distintos. As alterações na trajetória das ondas cerebrais podem ser cruciais na reconfiguração dessa rede de conexões.
Com o aprofundamento do conhecimento, surgirão estratégias inovadoras para auxiliar indivíduos enfrentando desafios como a perda de memória.
“Se as ondas de uma pessoa estão se movendo na direção errada quando ela está prestes a tentar se lembrar de algo, isso pode colocá-la em um estado de memória ruim”, disse Mohan. “Se você pudesse aplicar a estimulação da maneira correta, talvez pudesse fazer com que essas ondas se movessem em uma direção diferente, provocando um estado de memória fundamentalmente diferente.”
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Embora muitos de nós utilizemos o cérebro sem compreender plenamente seu funcionamento, existe um vasto conhecimento a ser adquirido para os momentos em que enfrentamos dificuldades. A boa notícia é que os neurocientistas estão cada vez mais próximos de decifrar os complexos ‘passos de dança’ da nossa mente.
Essa pesquisa foi publicada na Nature Human Behavior.
Via: Science Alert