Por meio de uma intricada combinação de pigmentos ricamente carregados com metais, proteínas, enzimas e coenzimas, os organismos fotossintéticos conseguem efetuar a conversão da energia luminosa em energia química essencial.
Uma pesquisa recentemente divulgada na revista Nature trouxe à luz que esse processo químico intrínseco é extremamente sensível à quantidade mínima de luz possível – um único fóton.
Essa descoberta consolida de forma substancial o nosso entendimento atual acerca da fotossíntese e promete contribuir significativamente para a elucidação de questões relativas ao funcionamento da vida na menor escala concebível, um ponto de convergência entre a física quântica e a biologia.
“Uma quantidade considerável de trabalho, tanto teórico quanto experimental, foi realizada em todo o mundo na tentativa de compreender o que acontece após a absorção de um fóton. No entanto, percebemos que ninguém estava abordando o primeiro passo. Essa ainda era uma questão que precisava ser respondida em detalhes”, afirmou o coautor principal Graham Fleming, um cientista sênior da área de Ciências Biológicas no Lawrence Berkeley National Laboratory (Berkeley Lab) e professor de química na UC Berkeley.
No âmbito de sua pesquisa, Fleming e a coautora Birgitta Whaley, uma cientista sênior da área de Ciências de Energia no Berkeley Lab, juntamente com seus grupos de pesquisa, demonstraram que um único fóton é capaz, de fato, de desencadear o primeiro estágio da fotossíntese em bactérias púrpuras fotossintéticas.
"Em virtude de todos os organismos fotossintéticos compartilharem processos semelhantes e terem um ancestral evolutivo em comum, a equipe está segura de que a fotossíntese em plantas e algas se desenvolve de maneira idêntica. “A natureza engendrou um truque extremamente engenhoso”, observou Fleming.
Como os sistemas vivos utilizam a luz
Com base na eficiência com que a fotossíntese transforma a luz solar em moléculas ricas em energia, os cientistas têm mantido a suposição por um longo período de tempo de que um único fóton é suficiente para iniciar a reação.
Nessa reação, os fótons transferem energia para elétrons, que subsequentemente trocam de posição com elétrons em diferentes moléculas, culminando na formação dos precursores necessários para a produção de açúcares.
Embora o sol não forneça uma grande quantidade de fótons – apenas mil fótons alcançam uma única molécula de clorofila por segundo em um dia ensolarado –, o processo ocorre de maneira consistente em todo o planeta.
Entretanto, “nunca antes essa suposição havia sido respaldada por uma demonstração”, afirmou o primeiro autor Quanwei Li, um pesquisador pós-doutorando que desenvolve novas técnicas experimentais envolvendo luz quântica nos grupos liderados por Fleming e Whaley.
Adicionalmente, para tornar o cenário ainda mais complexo, uma parcela significativa da pesquisa que elucidou detalhes precisos sobre as etapas posteriores da fotossíntese foi conduzida através da estimulação de moléculas fotossintéticas por meio de pulsos de laser potentes e ultrarrápidos.
“Há uma diferença enorme na intensidade entre um laser e a luz solar – um típico feixe de laser focalizado é um milhão de vezes mais brilhante do que a luz solar”, explicou Li.
“Mesmo que você consiga produzir um feixe fraco com uma intensidade equivalente à da luz solar, eles ainda são muito diferentes devido às propriedades quânticas da luz chamadas de estatísticas de fótons. Uma vez que ninguém observou o fóton ser absorvido, não sabemos qual diferença isso faz e que tipo de fóton é“, ele explicou.
“Mas assim como você precisa entender cada partícula para construir um computador quântico, precisamos estudar as propriedades quânticas dos sistemas vivos para realmente compreendê-los e criar sistemas artificiais eficientes que gerem combustíveis renováveis.”
Tal como em outras reações químicas, a compreensão inicial da fotossíntese ocorreu em uma escala macroscópica – o que implica que tínhamos conhecimento das entradas e saídas globais e, a partir disso, éramos capazes de inferir como seriam as interações entre moléculas individuais.
Nas décadas de 1970 e 80, avanços tecnológicos permitiram aos cientistas estudar diretamente substâncias individuais durante as reações. Agora, os cientistas estão adentrando a próxima fronteira: a escala dos átomos individuais e das partículas subatômicas, fazendo uso de tecnologias ainda mais avançadas.
Da suposição ao fato
Desenvolver um experimento capaz de viabilizar a observação de fótons individuais demandou a formação de uma equipe singular, composta por teóricos e experimentalistas, que uniram ferramentas de ponta da óptica quântica e da biologia.
“Isso representou algo inédito para aqueles que estudam a fotossíntese, uma vez que normalmente não empregam tais ferramentas, e também para os especialistas em óptica quântica, visto que geralmente não consideramos aplicar essas técnicas a sistemas biológicos complexos”, destacou Whaley, que também é professora de físico-química na UC Berkeley.
Os cientistas estabeleceram uma fonte de fótons que gera um único par de fótons por meio de um processo denominado conversão paramétrica descendente espontânea.
A cada pulso, o primeiro fóton – “o heraldo” – foi detectado por um sensor altamente sensível, confirmando que o segundo fóton estava a caminho da amostra montada de estruturas moleculares absorvedoras de luz provenientes de bactérias fotossintéticas.
Outro detector de fótons posicionado próximo à amostra foi configurado para medir o fóton de menor energia emitido pela estrutura fotossintética após absorver o segundo fóton “heraldo” do par original.
A estrutura absorvedora de luz utilizada no experimento, conhecida como LH2, foi extensamente estudada.
Sabe-se que fótons com um comprimento de onda de 800 nanômetros (nm) são absorvidos por um anel de 9 moléculas de bacterioclorofila no LH2, resultando na transferência de energia para um segundo anel composto por 18 moléculas de bacterioclorofila, que podem emitir fótons fluorescentes a 850 nm.
Nas bactérias nativas, a energia proveniente dos fótons continuaria se transferindo para moléculas subsequentes até ser utilizada para dar início à química da fotossíntese.
Entretanto, no experimento, quando os LH2s foram isolados de outras estruturas celulares, a detecção do fóton a 850 nm serviu como um sinal definitivo de que o processo havia sido ativado.
“Quando você possui apenas um fóton, é muito fácil perdê-lo. Essa foi a dificuldade fundamental neste experimento, e é por isso que utilizamos o fóton ‘heraldo'”, explicou Fleming.
Os cientistas analisaram mais de 17,7 bilhões de eventos de detecção de fótons “heraldo” e 1,6 milhão de eventos de detecção de fótons fluorescentes “heraldo” para assegurar que as observações pudessem ser atribuídas exclusivamente à absorção de um único fóton e que nenhum outro fator estivesse influenciando os resultados.
“Acredito que o primeiro ponto que este experimento evidenciou é a possibilidade de realizar ações com fótons individuais. Isso é extremamente relevante”, enfatizou Whaley.
“A próxima questão é: o que mais podemos fazer? Nosso objetivo é explorar a transferência de energia de fótons individuais através do complexo fotossintético nas escalas temporais e espaciais mais curtas possíveis.”