Descubra como a luz pode atravessar lacunas no tempo em um experimento de física inovador. Surpreendentes descobertas revelam novas possibilidades na interação da luz com o tempo.
Esse texto se refere a um fenômeno da física quântica bastante peculiar, em que partículas lançadas contra uma barreira com duas fendas podem agir como ondas e passar através de ambas as aberturas ao mesmo tempo. Esse efeito, conhecido como “experimento de fenda dupla”, foi observado com diversas partículas ao longo dos últimos 200 anos, desde fótons e elétrons até átomos e moléculas complexas. Recentemente, os cientistas expandiram ainda mais os limites do experimento, tornando-o ainda mais surpreendente e inexplicável.
Em uma versão inovadora do experimento, os pesquisadores permitiram que a luz atravessasse intervalos não no espaço, mas sim no tempo. As conclusões, divulgadas na segunda-feira na prestigiada revista Nature Physics, podem abrir caminho para novas e intrigantes formas de controlar a luz, como a criação de cristais de tempo fotônicos, que geram padrões temporais utilizando a luz, com potenciais aplicações em computadores quânticos de alto desempenho.
“O experimento é fascinante”, afirma Andrea Alù, especialista em engenharia elétrica do Centro de Pós-Graduação da Universidade da Cidade de Nova York, que não esteve envolvido nesta pesquisa.
ONDA OU PARTÍCULA?
Isaac Newton conduziu uma série de experimentos pioneiros envolvendo a luz, sustentando a hipótese de que ela era constituída por partículas – uma concepção que prevaleceu na física até o século XIX.
"A discussão sobre a natureza da luz, se é uma onda ou uma partícula, persiste há séculos. No século XVIII, Isaac Newton defendia a teoria de que a luz era composta por partículas, enquanto o físico e astrônomo holandês Christiaan Huygens, seu contemporâneo, propunha que a luz se propagava em forma de ondas.
A renomada reputação de Newton fez com que sua visão sobre a natureza da luz prevalecesse na física por quase um século. Contudo, em 1801, o proeminente polímata britânico Thomas Young concebeu um experimento revolucionário, conhecido como experimento da dupla fenda. Por meio de meticulosos testes, Young revelou que a luz que passa por uma barreira com duas fendas paralelas espaçadas pode gerar faixas repetidas de luz e escuridão em uma parede localizada além. Esses padrões de interferência eram consistentes com o comportamento de ondas sobrepostas, onde os picos das ondas se somam, resultando em áreas de maior intensidade de luz, e os picos e vales das ondas se anulam, resultando em áreas de menor intensidade de luz.
Uma descoberta revolucionária ocorreu em 1905, quando Albert Einstein revelou que a luz, além de se comportar como onda, também pode se comportar como partícula. Através da física quântica, ficou evidente que a luz exibe uma dualidade fascinante entre partícula e onda, desafiando as concepções anteriores de Isaac Newton e Christiaan Huygens.
PADRÕES NO TEMPO
Os pesquisadores conduziram experimentos com óxido de índio e estanho, um material transparente e condutor de eletricidade comumente utilizado em telas sensíveis ao toque de smartphones. Ao expor uma fina camada desse composto a um intenso pulso de laser, ela se transforma em um espelho por um breve instante.
Em uma nova abordagem do experimento de fenda dupla, os cientistas utilizaram um dispositivo que alterou a capacidade de reflexão da luz em pequenas aberturas temporárias em um material, denominadas de “fendas de tempo”.
O experimento de fenda dupla no tempo requer que o dispositivo utilizado pelos físicos altere sua reflectância em uma velocidade extraordinariamente rápida, em uma escala de tempo comparável à frequência de oscilação da luz – da ordem de femtossegundos ou quadrilionésimos de segundo. Como comparação, se toda a história do Universo, desde o Big Bang até o momento em que você lê isto, fosse comprimida em um único segundo, uma única oscilação da luz levaria apenas o equivalente a um único dia. Essa incrível rapidez na mudança de refletividade é um dos principais desafios enfrentados pelos pesquisadores, conforme explicado pelo autor principal do estudo, Romain Tirole, um físico do Imperial College London.
Os cientistas fizeram uma descoberta fascinante ao observar que um feixe de luz que atravessa as aberturas temporárias no material, conhecidas como “fendas de tempo”, é difratado ou espalhado em várias frequências ou cores diferentes. Essas diferentes frequências podem se interferir umas com as outras, resultando em um padrão de interferência, assim como ocorre no clássico experimento da dupla fenda. “Ficamos extremamente surpresos com a nitidez com que esse padrão apareceu em nossos detectores”, expressou Tirole, autor principal do estudo.
Os cientistas ficaram surpresos com a intensidade da difração detectada, superando suas expectativas. Isso indica que o óxido de índio e estanho possui uma velocidade de comutação “10 a 100 vezes mais rápida do que se pensava anteriormente, permitindo um controle mais preciso da luz”, afirma Tirole, autor principal do estudo. Essa descoberta sugere que ainda há novos recursos a serem descobertos e explorados nas interações entre esse material e a luz.
O engenheiro Alù destacou, em entrevista à Inverse, a surpreendente velocidade de resposta do material, o que sugere que ele pode ser um recurso valioso em futuros experimentos envolvendo o tempo.
Estas recentes descobertas evidenciam as fascinantes abordagens que os pesquisadores estão adotando para explorar o conceito de tempo. Por exemplo, Alù e sua equipe recentemente demonstraram as chamadas “reflexões temporais” com ondas de luz – quando os sinais luminosos passaram por uma “interface temporal”, eles se comportaram como se estivessem retrocedendo no tempo.
Os avanços recentes nas fendas de tempo e interfaces de tempo estão abrindo novos horizontes para os cientistas, permitindo o desenvolvimento de formas exóticas de controle da luz, como os chamados “cristais fotônicos de tempo”. Enquanto os cristais comuns são estruturas formadas por átomos dispostos em um padrão regular no espaço, os cristais de tempo são estruturas em que partículas são ordenadas em padrões regulares no tempo, e não no espaço. Em um cristal fotônico de tempo, as propriedades ópticas variam de forma regular ao longo do tempo, possibilitando aplicações ainda mais fascinantes e promissoras na manipulação da luz.
De acordo com Tirole, os cristais de tempo fotônico possuem um potencial significativo para aplicações importantes no campo da amplificação e controle da luz. Essas aplicações podem incluir o uso em computação convencional, bem como na promissora área de computação quântica baseada em luz.