Cientistas usaram inteligência artificial para interpretar os sinais cerebrais de um rato e visualizar o mundo através de seus olhos.
Uma equipe de pesquisadores da École Polytechnique Fédérale de Lausanne (EPFL) concebeu uma ferramenta baseada em inteligência artificial (IA) que tem a capacidade de decodificar os sinais neurais presentes no cérebro de roedores.
O algoritmo denominado CEBRA foi meticulosamente treinado com o propósito de mapear a atividade neural de roedores, a fim de prever e reconstruir visualmente o campo de visão dos mesmos em quadros específicos de vídeos. Essa notável conquista surge em sequência a uma pesquisa realizada por acadêmicos da Universidade do Texas em Austin, que empregaram a inteligência artificial para traduzir os pensamentos das pessoas em tempo real, convertendo-os em texto.
O Dr. Mackenzie Mathis, responsável pela condução desta pesquisa científica, compartilhou com o MailOnline sua perspectiva sobre o estudo, destacando que o CEBRA, por sua natureza não se restringir somente à percepção visual, demonstra-se uma ferramenta de grande potencial para o desenvolvimento de interfaces cérebro-máquina.
"“Por exemplo, essa ferramenta poderia ser aplicada para controlar o cursor de um computador em pacientes com restrições motoras ou para auxiliar na geração de sensações visuais em indivíduos com deficiência visual, se combinada com estimulação cerebral em tempo real”, afirmou o Dr. Mackenzie Mathis, pesquisador principal do estudo.
“É claro que não posso prever completamente o futuro, e ainda há anos de desenvolvimento pela frente, mas essas são áreas nas quais estou entusiasmado em ver as pessoas utilizando o CEBRA”, acrescentou.
No estudo publicado na Nature hoje, os pesquisadores treinaram o algoritmo CEBRA utilizando vídeos assistidos por ratos e sua atividade cerebral em tempo real. Parte dessa atividade foi capturada diretamente por meio de eletrodos implantados na região do córtex visual do cérebro, enquanto o restante foi obtido por meio de sondas ópticas em camundongos geneticamente modificados, cujos neurônios emitem fluorescência verde quando ativados.
Com base nesses dados, o CEBRA aprendeu a associar os padrões de atividade cerebral aos quadros específicos de um filme. Em seguida, o algoritmo recebeu novos padrões de atividade cerebral, que não havia encontrado anteriormente, de um camundongo assistindo a um clipe de filme ligeiramente diferente. A partir disso, o CEBRA foi capaz de prever em tempo real qual quadro o rato estava visualizando, e os pesquisadores converteram esses dados em um filme recriado.
O Dr. Mathis explicou ao MailOnline: “Não prevemos cada pixel individualmente, mas sim o quadro em geral. A chance aleatória de acerto seria de 1 em 900, portanto, uma precisão superior a 95% é extremamente empolgante, em nossa opinião. No entanto, o próximo passo é trabalhar na decodificação em nível de pixels.”
Em um vídeo de exemplo, é possível observar o camundongo assistindo a um trecho em preto e branco de um filme dos anos 1960, no qual um homem corre em direção a um carro que abre o porta-malas. Uma tela separada mostra o que o CEBRA estima que o camundongo esteja vendo, exibindo um vídeo quase idêntico, embora com algumas pequenas discrepâncias.
O algoritmo possui a capacidade de realizar tal tarefa ao utilizar dados de apenas um por cento dos neurônios presentes no córtex visual de um camundongo, correspondendo a cerca de 0,5 milhão de neurônios.
“Desejávamos demonstrar o quão poucos dados, tanto em termos de clipes de filmes quanto de dados neurais, poderíamos utilizar”, afirmou Mathis ao MailOnline.
“Isso torna a abordagem muito mais realista para possíveis aplicações clínicas no futuro. Notavelmente, o algoritmo pode operar em tempo real, levando menos de um segundo para prever o conteúdo visual de todo o videoclipe.”
Os pesquisadores destacam que o CEBRA não se restringe apenas à interpretação de informações visuais a partir de dados cerebrais. Ele também tem a capacidade de prever movimentos do braço em primatas e determinar a localização de um camundongo em seu labirinto enquanto se move livremente.
O Dr. Mathis enfatizou: “[CEBRA] também pode fornecer insights sobre como o cérebro processa informações e servir como uma plataforma para descobrir novos princípios na área da neurociência, combinando dados entre diferentes animais e até mesmo espécies.”
As perspectivas de aplicações clínicas são altamente promissoras nesse campo de pesquisa.
No mês passado, uma equipe da Universidade de Osaka apresentou uma tecnologia semelhante, mas utilizando dados do cérebro humano. Seu algoritmo, alimentado por IA, conseguiu reconstruir aproximadamente 1.000 imagens, incluindo um ursinho de pelúcia e um avião, a partir de varreduras cerebrais com uma precisão de cerca de 80%. Essa conquista foi possível graças ao uso do modelo popular chamado Stable Diffusion, incorporado no DALL-E 2 da OpenAI, capaz de criar imagens com base em entradas de texto.
De forma semelhante, cientistas da Universidade do Texas em Austin também apresentaram, recentemente, uma tecnologia que converte a atividade cerebral de uma pessoa em texto.
Durante o estudo, três participantes foram expostos a histórias enquanto deitados em um aparelho de ressonância magnética funcional (fMRI), enquanto um “decodificador” alimentado por IA analisava sua atividade cerebral. Em seguida, foram solicitados a ler uma história diferente ou criar uma própria, e o decodificador foi capaz de transformar em tempo real os dados de ressonância magnética em texto.
Essas descobertas suscitam preocupações relevantes em relação à “privacidade mental”, uma vez que podem representar um primeiro passo em direção à possibilidade de espionar os pensamentos de outras pessoas.
COMO INTELIGÊNCIAS ARTIFICIAIS APRENDEM USANDO REDES NEURAIS
Os sistemas de inteligência artificial (IA) são dependentes de redes neurais artificiais (RNAs), que buscam imitar o funcionamento do cérebro humano para a aprendizagem.
As RNAs têm a capacidade de serem treinadas para reconhecer padrões em diferentes tipos de informações, como fala, dados de texto ou imagens visuais, e têm sido a base para diversos avanços em IA ao longo dos últimos anos.
Na abordagem convencional de IA, a entrada de dados é utilizada para “ensinar” um algoritmo sobre um determinado assunto, fornecendo-lhe grandes volumes de informações para processamento e aprendizado.
As aplicações práticas dessas tecnologias incluem os serviços de tradução de idiomas fornecidos pelo Google, o software de reconhecimento facial utilizado pelo Facebook e os filtros de alteração de imagem em tempo real disponibilizados pelo Snapchat.
Entretanto, o processo de entrada desses dados pode ser bastante demorado e limitado a um único tipo de conhecimento específico.
Uma nova geração de redes neurais artificiais, conhecida como Redes Neurais Adversariais (RNAs), apresenta uma abordagem inovadora, onde dois agentes de IA são colocados em confronto direto, permitindo que aprendam um com o outro.
Essa estratégia foi desenvolvida com o intuito de acelerar o processo de aprendizado e aprimorar a qualidade das saídas geradas pelos sistemas de IA.