Descobertas astronômicas recentes revelam evidências de estrelas de pequeno porte dotadas de campos magnéticos surpreendentemente intensos, suscitando questionamentos acerca de sua adequação como hospedeiras para mundos habitáveis.
As implicações destas descobertas transcendem o mero interesse curioso, pois podem proporcionar insights cruciais sobre os enigmáticos processos de evolução estelar e ampliar o conhecimento científico acerca desses corpos cósmicos comuns, porém ainda pouco compreendidos.
A presente pesquisa sugere que a origem desses campos magnéticos inesperadamente intensos está associada ao fenômeno de desacoplamento núcleo-envelope, que ocorre em estrelas frias e de pequeno porte.
Tal desacoplamento se manifesta quando as camadas superficiais e o núcleo da estrela iniciam o movimento de rotação em sincronia, porém, ao longo do tempo, esse sincronismo é perturbado, resultando em uma divergência dos movimentos rotacionais.
O mecanismo interno de desacoplamento núcleo-envelope, conforme denominado pela equipe responsável pela pesquisa, configura-se como uma dinâmica de grande relevância, com potencial para influenciar de forma substancial nossa busca por formas de vida em outros rincões da Via Láctea.
"“A física estelar pode ter implicações surpreendentes para outros campos”, disse Lyra Cao, líder da equipe e estudante de pós-graduação em astronomia na Universidade Estadual de Ohio, em comunicado.
“Estrelas que experimentam esse aumento do magnetismo provavelmente vão bombardear seus planetas com radiação de alta energia. Esse efeito é previsto para durar bilhões de anos em algumas estrelas, por isso é importante compreender o que isso pode significar para nossas ideias de habitabilidade.”
Essa emissão de radiação poderia provocar um efeito de torrefação em planetas próximos, resultando potencialmente na evaporação de sua água líquida, além de impedir a formação de moléculas complexas e, consequentemente, inibir ingredientes cruciais para a sustentação da vida.
As conclusões obtidas são notáveis em virtude de estrelas de baixa massa, tais como aquelas observadas pela equipe de pesquisa, serem ocorrências frequentes, o que sugere que a presença de exoplanetas é igualmente recorrente em tais sistemas estelares.
No entanto, ao invés de desencorajar a busca por formas de vida extraterrestre, este estudo pode proporcionar indícios sobre quais sistemas são mais propícios para abrigar mundos potencialmente habitáveis.
Consequentemente, ele pode efetivamente redirecionar as diretrizes da pesquisa neste âmbito.
Um tipo diferente de dínamo estelar
Para estrelas de porte intermediário, tais como o Sol, o magnetismo de sua superfície está intrinsecamente relacionado ao seu movimento de rotação, comportando-se como um dínamo estelar.
Tal característica possibilita o uso da velocidade de rotação das estrelas como uma ferramenta para avaliar propriedades físicas, como seus campos magnéticos, e, ademais, permite aprofundar o entendimento acerca da interação desses corpos celestes com o ambiente circundante, incluindo seus exoplanetas.
Até então, os astrofísicos presumiam que o magnetismo das estrelas com massas inferiores à do Sol, as quais podem girar em altas ou baixas velocidades, seguia o mesmo padrão.
Essa percepção levou os cientistas a formularem teorias de que estrelas de menor porte possivelmente abrigavam campos magnéticos de baixa intensidade, o que por sua vez sugeriria que tais estrelas seriam ambientes propícios para a existência de mundos habitáveis.
Contudo, há uma ressalva.
Lyra Cao observou que existem exemplos em que esse “relógio de rotação estelar” aparenta ter cessado seu funcionamento.
Conforme as estrelas envelhecem, sua rotação decresce devido à perda de momento angular, um processo conhecido como “desaceleração rotacional”.
Cao e seu coautor de pesquisa, Marc Pinsonneault, professor de astronomia na Universidade Estadual de Ohio, desenvolveram um novo método para mensurar manchas estelares que surgem como resultado da atividade magnética das estrelas, possibilitando assim a caracterização de seus campos magnéticos.
O duo e seus colaboradores analisaram dados do Sloan Digital Sky Survey (SDSS) relacionados a 136 estrelas em um aglomerado estelar aberto conhecido como “o aglomerado Colmeia” ou Messier 44 (M44), situado a aproximadamente 610 anos-luz da Terra.
Através dessa análise, constatou-se que algumas estrelas de baixa massa no aglomerado Colmeia apresentavam campos magnéticos mais intensos do que o esperado – caso essas estrelas de pequeno porte possuam dínamos que operam de forma similar ao do Sol, é claro.
Estudos anteriores haviam determinado que algumas estrelas no aglomerado Colmeia demonstram anomalias rotacionais que desafiam os modelos de evolução estelar atuais – essas descobertas revelam que os campos magnéticos presentes neste aglomerado estelar aberto também desafiam as expectativas.
“Ver uma conexão entre o aumento magnético e as anomalias de rotação foi extremamente empolgante”, disse Cao. “Isso indica que pode haver algumas interessantes físicas em jogo aqui.”
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Ela e sua equipe sustentam a hipótese de que, conforme o núcleo estelar e sua camada externa se desacoplam em relação à velocidade de rotação e posteriormente retomam a sincronia, tal fenômeno poderia dar origem a um tipo de magnetismo observado nessas estrelas de pequeno porte, que apresenta notáveis diferenças em relação ao magnetismo solar.
“Estamos encontrando evidências de que há um tipo diferente de mecanismo de dínamo impulsionando o magnetismo dessas estrelas”, disse Cao.
“O próximo passo é verificar se esse magnetismo aprimorado ocorre em uma escala muito maior. Se pudermos compreender o que está acontecendo no interior dessas estrelas à medida que experimentam o magnetismo aprimorado por cisalhamento, isso levará a ciência em uma nova direção.”